E o Rui Pinto? O hacker denunciante do Football Leaks
Tem sido notícia, tanto
em Portugal como no resto do mundo, o caso do Rui Pinto que, ligado à Football
Leaks, denunciou esquemas de corrupção no futebol português após a interceção
de diversas comunicações eletrónicas, sobretudo, de dirigentes e pessoas
ligadas ao Sport Lisboa e Benfica. O Rui Pinto permanece em prisão preventiva
desde março deste ano e está indiciado por 147 crimes de acesso ilegítimo,
violação de correspondência, sabotagem informática, entre outros. O seu destino
é ainda incerto.
No entanto, muitos questionam a razão pela qual a justiça Portuguesa nada faz mesmo após a denúncia, com provas evidentes, de esquemas de corrupção naquele Clube. Ora, a resposta é simples: regras processuais. É isso que separa a realidade da consequência em Portugal e que tem permitido ao Clube passar pelos pingos do escrutínio judicial.
Vejamos, o artigo
126.º do Código do Processo Penal, determina que “ressalvados os casos
previstos na lei [p.ex. as escutas telefónicas são admitidas como prova se,
antes de serem efetuadas, o Juiz ou o Ministério Público assim o permitirem],
são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante
intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular”. Quer isto dizer
que, se a prova for obtida mediante a violação de direitos pessoais constitucionalmente
consagrados, não pode ser utilizada, a não ser que o titular das comunicações o
consinta (o que nunca se imaginaria acontecer neste caso). A lei só permite a
utilização das provas obtidas quando seja para punir quem a elas teve acesso de
forma ilegal (n.º 4 do aquele artigo).
No entanto, pesa do
outro lado da balança o Interesse Público. E aí o regime Português falha, ou
deixam-no falhar, porque é falível perante quem tem poder e o sabe utilizar. Na
primeira entrevista após ter sido detido na Hungria, Rui Pinto afirmou mesmo
que “o sistema judicial português não é inteiramente independente, existem
muitos interesses escondidos”. Mas não seria necessária tal afirmação por parte de Rui Pinto.
O Rui Pinto, antes de
ser preso, estava a colaborar com uma investigação Francesa, país onde as
provas obtidas mediante aqueles métodos não foram consideradas nulas. Este e
outros tantos casos fizeram com que a União Europeia sentisse a necessidade de elaborar
uma diretiva para a proteção dos denunciantes. Esta diretiva, adotada a 7 de
outubro de 2019 e que deve ser transposta para a ordem interna até outubro de
2021, visa garantir a proteção eficaz do denunciante que alerte para casos em que
se coloca em causa o Interesse Público, como a corrupção.
Nesta linha, também a
Advogada, ex-Juíza e membro do Parlamento Europeu, Eva Joly, questionou-se recentemente sobre o processo do Rui Pinto, afirmando que “Numa
altura em que a União Europeia acaba de criar uma diretiva para uma maior
proteção aos denunciantes, Portugal está a tomar uma decisão errada ao tratar
Rui Pinto desta forma. Enquanto Rui Pinto está preso em Portugal, promotores de
nove países (incluindo França, Bélgica, Espanha, Holanda e Inglaterra)
iniciaram investigações com base nas divulgações no Football Leaks”. Eva Joly conclui que “As autoridades portuguesas afirmam que não podem usar as
revelações do Football Leaks, uma vez que são consideradas como obtidas
ilegalmente. Quando o quadro jurídico não é bom o suficiente para combater a
corrupção, é tempo de Portugal considerar se a legislação deve ser alterada”.
Concluimos também que, qualquer
alteração legislativa à mencionada norma deve colocar na balança dos direitos
fundamentais, de um lado, o Interesse Público, e de outro, a dignidade pessoal
e a privacidade, carregando-se no prato do primeiro sempre que estejam em causa
situações como a corrupção. Será sempre de estranhar que, enquanto Portugal
decidiu pela prisão preventiva de Rui Pinto, outros países, como a França,
Bélgica, Espanha, Holanda ou o Reino Unido, começaram a desenvolver investigações
judiciais com base nas denúncias operadas pelo Football
Leaks.
Comentários
Enviar um comentário