Quem és tu, terceiro cúmplice?
OPINIÃO
*Patrícia Franco
*Patrícia Franco
O mercado desportivo, cada vez mais global, convive de perto com o comummente designado aliciamento de praticantes desportivos. Tal fenómeno ganha especial acuidade quando estão em causa entidades empregadoras desportivas com dimensões financeiras díspares, sendo preocupação das organizações desportivas garantir a regulamentação de tal questão, com vista a assegurar a estabilidade das competições.
A FIFA, por exemplo, consagra desde 2001, no FIFA Regulations on the Status and Transfers of Players, a responsabilização deste terceiro cúmplice, promotor de quebras contratais, em três níveis distintos: através da responsabilização solidária do novo clube do praticante desportivo no pagamento da indemnização devida; pela imposição de sanções desportivas ao clube que promova a quebra contratual; e pela responsabilização de outros agentes FIFA que tenham tido participação na quebra contratual.
Por cá, essa realidade
apenas foi acautelada com a entrada em vigor da Lei n.º 54/2017, de 14 de
julho. Até então, aquando da quebra contratual, a responsabilidade era exclusiva
do praticamente desportivo, estando limitada às retribuições vincendas até ao
termo do contrato. Tal deixava, como é bom de ver, diversos danos por ressarcir
ao clube lesado.
Ora, nos termos da lei
atual o praticante desportivo será responsável contratual e
extracontratualmente pelos danos causados pela rutura, sendo essa responsabilidade
estendida solidariamente à nova entidade empregadora desportiva do praticante,
que se presume como tendo tido intervenção na quebra contratual.
A esta solução, que seria
de aplaudir, tendo em consideração o seu caráter promotor da estabilidade das
competições, o legislador introduziu uma ressalva: em sede de direito de
regresso o praticante desportivo apenas será na prática responsável pelo
montante respeitante à responsabilidade contratual, sendo a nova entidade
empregadora desportiva responsável pelo valor correspondente à responsabilidade
extracontratual.
Ora, sendo ambas as partes
responsáveis pelos danos causados à entidade empregadora lesada, é nossa
opinião que o critério de repartição do direito de regresso deverá ser
igualitário, sob pena de se gerarem situações profundamente anómalas.
Imagine-se, por exemplo, o caso de uma rescisão ocorrer perto do termo do
contrato, sendo o valor a pagar de retribuições vincendas relativamente baixo.
Assim, caso se provem danos que o anterior clube tenha sofrido, designadamente,
com a perda de receitas de mershandising ou
danos reputacionais, e na circunstância de ser o praticante desportivo a
satisfazer a indemnização, este terá direito de regresso sobre a maior parte do
quantum indemnizatório, sendo que deu
igualmente causa a esses danos.
Também de forma
inequívoca, e ao contrário do que por exemplo consagra a FIFA, a legislação
nacional apenas considera como terceiro cúmplice a nova entidade empregadora do
praticante desportivo. No entanto, e em nossa opinião será premente extrair
consequências do papel do empresário desportivo na relação laboral desportiva.
Este empresário
desportivo, não obstante ter um importante papel de “negotiation equalizer” tem,
grande parte das vezes, um interesse próprio no processo negocial, pois ainda
que esteja em representação de uma das partes, visa o lucro.
Neste sentido, não retirou
o nosso legislador qualquer consequência do papel deste agente desportivo como
promotor de quebras contratuais. Em nossa opinião, tendo em vista o facto de no
nosso ordenamento jurídico o mesmo empresário não poder representar as duas
partes, tendemos a defender a responsabilização presumida, admitindo prova do
contrário, dos dois empresários intervenientes no novo contrato de trabalho
desporto. Isto pois o empresário que representa o praticante desportivo é em
regra geral aquele que o induz à quebra contratual, detendo um forte papel no
aconselhamento da sua carreira, sendo que, por outro lado, o empresário que intervém,
eventualmente, em representação na nova entidade empregadora desportiva tem
grande parte das vezes a função de encetar contactos informais junto do
praticante desportivo e do seu empresário com vista à promoção da quebra
contratual.
Em suma, é para nós clara
a pertinência da responsabilização do terceiro que intervenha na rutura
contratual, uma vez que tal se traduz na salvaguarda da posição das entidades
desportivas com menor expressão, tantas vezes incapazes de fazerem frente ao
imenso poderio económico dos maiores colossos do setor, facto esse que
contribui para a promoção da tão almejada estabilidade das competições. Contudo,
será em nossa opinião necessário rever o critério de repartição do direito de
regresso, assim como ponderar o papel de outros agentes desportivos que possam
ter impacto na promoção da cessação do contrato de trabalho desportivo, como é
o caso dos célebres empresários desportivos.
* Opinião de Patrícia Franco
Mestre em Direito do Trabalho pelo ISCTE-IUL
Licenciada pela Faculdade de Direito da Univ. Nova de Lisboa
* Opinião de Patrícia Franco
Mestre em Direito do Trabalho pelo ISCTE-IUL
Licenciada pela Faculdade de Direito da Univ. Nova de Lisboa
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